Maria Manuela Galvão e José Luiz Galvão
Uma determinada conduta pode, ao mesmo tempo, caracterizar um ilícito civil, administrativo e penal. Nesse caso, não estar-se-á indo de encontro ao princípio do ne bis in idem – o qual estabelece a impossibilidade de que alguém seja responsabilizado mais de uma vez pela prática de um determinado crime -, uma vez que as instâncias são, em princípio, independentes.
Aqueles que agem de forma desconectada dos valores impostos pelas diversas normas jurídicas podem, sim, ser responsabilizados concomitantemente em diferentes dimensões, já que o princípio da independência das instâncias permite que elas atuem juntas, sem, contudo, afetarem-se de modo a prejudicar a punição daquele que, supostamente, mereça sanção por ato ilícito, sendo este cível, penal ou administrativo.
As únicas exceções que vinculam as instâncias são: a) existência de uma sentença penal absolutória resultante do reconhecimento da inexistência de autoria do fato ou da inocorrência material do próprio evento, nos termos do artigo 386, incisos I e IV, do Código de Processo Penal, situações que implicam absolvição, também, nos demais segmentos do Poder Público; b) existência de uma sentença penal condenatória com a devida comprovação da prática do ilícito e de seu autor.
Com relação à sentença absolutória, caso esta tenha um dos dois fundamentos específicos, quais sejam a inexistência do fato atribuído ao autor ou a sua exclusão da condição de autor do fato, haverá, sim, repercussão no âmbito das demais esferas. É dizer: as esferas civil e administrativa não poderão punir o agente que foi absolvido por uma dessas duas hipóteses no processo criminal.
Portanto, a sentença absolutória penal, em tais casos (inexistência do fato e negativa de autoria), obriga as instâncias cível e administrativa a não punir o agente absolvido naquela instância.
Por outro lado, em caso de sentença condenatória na esfera penal, muito embora as responsabilidades civil e administrativa sejam independentes da criminal, diante da comprovada existência do crime e de quem seja seu autor, não mais caberá discussão acerca da existência do fato (ilícito) nas demais instâncias (civil e administrativa).
A condenação penal torna certa a obrigação de indenizar, bem assim faz cessar a necessidade de se colocar a matéria em discussão novamente nas esferas administrativa e civil, pois se o fato comprovadamente constituiu infração penal também configurará um ilícito civil e administrativo.
Conclui-se que o princípio da independência das instâncias não é absoluto, admitindo a interferência de outras esferas, com prevalência da sentença penal condenatória ou, dependendo do fundamento da absolvição, da sentença penal absolutória, isso porque o ilícito penal é mais do que o ilícito administrativo e civil, podendo estes existir sem que haja aquele (o ilícito penal), no entanto este não pode vir a ocorrer sem que antes existam aqueles (ilícito administrativo e civil).
Via Migalhas
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Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: I – estar provada a inexistência do fato; IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;